16/06/2016
Camarada Don’Otoni,
Já não sei mais o que fazer com nossa esquerda. A gente fala, fala, não é de hoje, mas quem quer parar de falar um pouco pra escutar? Lembra do que a Ana C. disse pra M. Cecília Fonseca? “Teve época que eu piamente acreditei que bastava ter opiniões de esquerda pra ser de esquerda. A ideologia vinha primeiro. É a política alucinatória.” Em março minha TL estava num surto coletivo, dividida entre 1937 e 1964. Ninguém parecia se dar conta de que, não, estamos em 2016. Economia? Desonestidade intelectual é hoje nossa pior crise: assolando (dicunforça) o país desde junho de 2013. O que me faz lembrar do que o Norman Mailer disse, que, se “esses movimentos vão conseguir algum efeito político imediato (...) pode ser um efeito negativo”. No caso, acabou dando na eleição do Bush. OK, ele disse isso no século passado. Pelo visto ainda vale. Com certeza valeu em 2013. Espero que deixe de valer o quanto antes. Fato é: após o golpe constitucionalista não tivemos outra opção. O que não quer dizer que não possa piorar. Sabe, eu sei o que esperar da Globo. Eu sei o que esperar dos políticos. O que esperar do judiciário, da PM. Venho aprendendo o que esperar da esquerda com o passar dos anos, tendo sempre em mente: todo ser humano é um monstro em potencial. Vê bem, não se trata de picuinha com A ou B, esquerda caviar ou esquerda avatar, nem é hora de picuinha. Só acho que outras questões tão fundamentais pr’além do iMediatismo das hashtags acabam ficando de lado. Fazer-se compreender a sutil diferença entre “coup” e “putsch”, por exemplo. Pra talvez conseguir entender de vez no que aquela tormenta polarizada pré-Temer deu: tanto direita quanto esquerda foram responsáveis pelo golpe. Judas deu seu beijo. Enforcou-se de tanto remorso na cadeia. Até quando vamos pensar que a direita é burra? Não é. Há quem confunda política com intelligentsia. Há quem não tenha entendido nada sobre o Bessias, jogada estratégica de gênio. Não à toa, os cem anos de reclusão. Questão da mais pura lógica analítica. Dilma sabia estar sendo gravada. Não se trata de apelar pro método hipotético-dedutivo, ao contrário: maior oportunidade pro direito enfim largar mão de vez do positivismo. Onde já se viu, ordem? Importa, quando muito, o progresso. A questão primordial no entanto é: diante desse Frankenstein sfeziano, “como recuperar a humildade sem cair na inferioridade? E como recuperar as pessoas que eu pisei nessa cavalgada das valquírias?” Como reverter essa onda reaça a tempo das eleições em outubro? Porque, sim, temos “eleições” em outubro, e outubro é logo ali. Nem quero pensar no desfecho desse desfile da Independência depois das não-Olimpíadas neste Vermelho Agosto que nem começou. Até quando vamos rir dos Bolsonaro como rimos do Trump? O meme acordou. Já não nos bastava o gigante nesta terra de João sem pé de feijão? Lembro da vez em que a gente viu aquele filme, “Contos da era de ouro", sobre o regime do Ceausescu na Romênia, no quanto tu te empolgou com o que chamou de esquerda brinquedão. Talvez esteja na hora, Otoni, de assumirmos cada qual seu brinquedo chapéu mexicano. Atearmos fogo na aldeia espanhola do Tio Nelson e nos embrenharmos pelo que ainda sobra de floresta América Latina adentro sem pedir licença pra malária nem milico.
E que venham, porque hão de vir, os loucos anos 20.
Atento y fuerte. Foco e risco. Porro y suerte.
Nos vemos em breve,
R.G. Ishak
PS: O casamento segue nos vagões da clandestinidade, mas em bons trilhos. Beijos na Ninoca.
[Originalmente publicado na coletânea Golpe: Antologia-Manifesto, organizada por Carla Kinzo, Ana Rüsche, Lilian Aquino e Stefanni Marion, 2016.]