#AssangeIsFree, mas...
Grande dia para a humanidade, para a liberdade de expressão. Só mais um dia.
Quatorze anos desde sua detenção na Scotland Yard em 7 de dezembro de 2010. A liberdade provisória, após vaquinha para pagar sua fiança, não durou mais que ano e meio. Outros sete asilado na Embaixada do Equador em Londres. Mais cinco em uma cela 2x3 na Inglaterra. Quatorze anos de tensão ante a possibilidade de ser extraditado a qualquer momento para os EUA, rumo à prisão perpétua ou ao corredor da morte. Um terrorista, capaz. Mas não. O crime de Julian Assange foi expor o establishment, o Deep State. Os fatos. Jornalismo – old school. Enfim: livre. Brindemos?
A cabeça de Assange foi a prêmio, já no governo Obama, após denunciar os crimes de guerra de Bush II no Iraque e divulgar o vídeo em que civis, quinze pessoas, incluindo dois jornalistas da Reuters, são assassinados por um helicóptero Apache do exército norte-americano em Bagdá. Longe de parar por aí. Fundado em 2006, os furos do WikiLeaks comprometeram narrativas das mais variadas – e, nada raro, graves, gravíssimas: Guerra no Afeganistão, Guantânamo, Cientologia, Partido Nacional Britânico, mudanças climáticas, o “grande firewall” do governo australiano, o Clube de Bilderberg. Os e-mails de Sarah Palin, os de Hillary Clinton, os de sua campanha, ou melhor, do diretor de sua campanha, John Podesta. O estrago não foi pouco. Enquanto isso, a nata da intelectualidade global faz questão de, até hoje, fechar os olhos para todo o resto e focar nas troças ao Pizzagate. Que não, não se limita às subjetividades de supostas gírias usadas por pedófilos nas redes. No mínimo, diga-se, Hillary tinha conhecimento de casos de tráfico de menores, tudo embaixo de seu nariz, e nada fez — pelo contrário, sugeriu até um “ataque de drones” contra Assange. Ao fim e ao cabo, dentre “teorias da conspiração” mil, foi só nos darmos ao trabalho de puxar o fio da meada que caímos de paraquedas na Ilha de Jeffrey Epstein. Um pizzaiolo de primeira a serviço da elite política internacional. Nada como a boa e velha máxima cypherpunk (“privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”) posta em prática. Natural que estejam em polvorosa.
Foram tais as “fake news” que o establishment quis censurar. Temas ainda, vejam só, dos mais caros e custosos a certos populares do lado de lá da cerca. Não à toa, Assange se tornou, nos últimos anos, herói da "direita". Contraditório? Qual o quê. Contradiz-se quem alega defendê-lo, mas são os primeiros a perseguirem e atirarem pedras no que ele defende. Quando simplesmente não se omitem.
O timing foi quase perfeito. Quando a grande mídia brasileira finalmente parece descobrir que há censura no Brasil, pés já só calos e calados sobre-saltos em voos baixos, rasteiros, a liberdade de Assange escancara o farol há tempos no horizonte em meio ao maremoto informacional e mãos devidamente lavadas em trombas d´água. Quantos não naufragaram. À espera dos artigos especiais de página inteira nas edições de domingo.
Artigos que, até agora, quase só vi nas mídias independentes. E quase só para além das fronteiras de Alexandria. Os poréns de dois artigos, em especial, chamaram minha atenção. “Julian Assange Is Free. His Persecution Still Threatens Free Speech”, de Michael Shellenberger, no Public, e “Assange is Free, But Never Forget How the Press Turned on Him”, de Matt Taibbi, no Raket News. Títulos bastante autoexplicativos.
Pelas plagas de cá, tive de me contentar com “#AssangeDelator: Um herói que traiu seus princípios ou alguém que decidiu pela própria sobrevivência?”, publicado sem autoria, pela redação do Não é imprensa. Nada mais imprensa que tal manchete, todavia. Ao que parece, Mainardi saiu da Veja (e fica o registro: “As lições de Voltaire”, de Fernando Schüler [que vergonha, que tristeza], foi um excelente começo), mas a Veja não saiu de Mainardi. Danilo Gentili, então, nada mais “mídia corporativista”. Martelo batido, portanto, sigamos ao mérito: os vazamentos publicados no WikiLeaks eram, adivinhem?, anônimos. O tal do anonimato da fonte – que o Golpista do Tucumã pretendeu quebrar do alto de seu trono no Olimpo – em estado bruto. Assange pouco poderá fazer, quanto menos após tanto tempo. E dificilmente tentarão prendê-lo de novo, caso não cumpra com as expectativas. A menos que Biden queira perder de vez as eleições contra Trump.
Voltando à Pindorama, no entanto: pouco, quase nada, vi da parte dos influenciadores da esquerda liberal (por mais contraditório que isto soe, pois: girondinos). Jornalistas, escritores, peões da palavra. Supostamente, os maiores interessados. Nada. Infelizmente. A esquerda clássica, jacobina, sim, deu lá seus retuítes. Ainda que tímida. Nada se comparado ao rega-bofe a que a “direita” se pôs de pronto e de imediato nas redes descentralizadas (id est, Nostr e afin...sss – não, descentralizada, descentralizada mesmo: Nostr é a única, e nostriches mal se contêm na ânsia de, mais dia, menos dia, recepcionarem Assange por lá).
Lula, ao fazê-lo no Twitter, com um dia de atraso, recebeu em resposta uma enxurrada de comentários. Jornalistas brasileiros exilados, perseguição a opositores políticos, censura, relativismos outros. Nada muito elogioso. Pouco, quase nada, vi por lá da parte dos bots humanos de esquerda, “liberais” ou não. Culpa dos algoritmos, evidente. Lula pontuou terem sido 1.901 dias na prisão. Esqueceu-se de contar os outros três mil e tantos entre liberdade provisória e asilo na embaixada equatoriana. Esqueceu-se das palavras de Ana Cristina César quanto a palavras não bastarem nessa política alucinatória. Esqueceu-se do “bolsonarista” Filipe Martins, preso há quatro meses por fugir do Brasil rumo à República de Curitiba. Esqueceu-se dos que o cercam. Dos próprios dias de cárcere.
Já Alexandre de Moraes, bom profissional que é, manteve-se em silêncio. Dessa vez. Ocupado demais respondendo ao Congresso dos EUA, capaz. Prazo apertado.
Não estraguemos a festa com persona non grata, contudo. Subamos a hashtag em cartazes mundo afora, sejamos todos F5. #AssangeIsFree, enfim. Brindemos, claro, como se não houvesse depois de amanhã. De fato (literal), um dia histórico para a humanidade, para a liberdade de expressão. Para o jornalismo. Que precisa ser comemorado para não ser esquecido. Não obstante: só mais um dia de luta. Uma luta que parece não ter desfecho e, bem provável, pelo visto, tão cedo, não terá mesmo. O amanhã é inevitável. Sobreviveremos. Vida longa a Julian, ao WikiLeaks e à resistência. De ontem para hoje, celebrando virtualmente entre os meus, tive minha melhor insônia enquanto o bardo cypherpunk, bem high tech, low life, deve ter aproveitado, entre os seus, sua melhor noite de sono. Só por hoje. Pois, sabe bem, aprendeu no cabresto: descansar, jamais.
Ainda faltam Snowden, Chelsea Manning, Ross Ulbricht, Reality Winner. Monark.